quarta-feira, 6 de agosto de 2014

IN MANERE 

 

Para Robin Williams

 

Para Eduardo Campos


Nesta dor de fêmea que não permite mais uivos [não são tempos para lobos], as luas que visito estão recheadas pelos teus Olhos.

Por quê?


Estava quase desistindo de ser. E foi então que avistei a primeira Lua. Pousei mansinho, patinhas de alma leve, mas a dor pesava, pesava, pesava. Teu primeiro Olho estava lá. Não foi meu primeiro arrepio [minhas confissões não são mais politicamente corretas, ah, mas vão gravitando…] e gostei de sentir mais um, mais dois, mais três…


Na segunda Lua, teu segundo Olho procurou meus Cílios.

Por quê?

Estava quase desistindo de lembrar que quase desisti de ser. Talvez ainda desista. Estou recordando, cansada, das Luas acinzentadas que tiveram meu pouso por ti, e mais ti, e mais ti, com minhas confissões e meus arrepios. E gostei de sentir medo.

Por quê?


Quando teus quartos olhos, na quarta Lua, perseguiram minhas verdades mentirosas, o susto condicionou o suor a se repetir, nos meus seios, toda vez que te leio. Mas onde te leio se teu tom, na distância, se traduziu por inexistência. Imanência.

Correria eu para a demência?


Só se fosse na quinta Lua… Quem sabe, na quinta Lua. Na Lua. Amor enfim. O que me diz? O que fiz? Me escondi. De ti, de ti, de ti. Fui me escondendo ao saltar de cratera em cratera. Teu quinto Olho me procurou, eu sei. Mas fingi que não vi, nem senti. Poderia ter sido na quinta.

Infinita.


Na sexta Lua, um sexto Olho turvou meus pensamentos. Diminui a força do oxigênio. Fez sangue jorrar por narizes, falsificando matrizes. Era a Lua, só a Lua, o sexto Olho que não te era, nem meu ti, meu tu, naquela esfera, confundido e envolvido pela própria solidão. Pela exclusão. Pelo disfarce do sexto Olho, te perdi, antes de avistar a sétima Lua.


Estou na Rua.

Olha pra mim. Onde estou? Estou na Rua. Estou Nua. Teu Olho, sei fingindo que não, me enxerga na Lua. E eu estou na Rua.


Quantos Olhos teus continuarão desejando minha vagina narrativa? O suor ainda escorre pelos meus seios. Ainda os vejo. Cada um dos teus Olhos. Estava desistindo de ser, mas gostei de sentir medo.

Por quê?


Tua imanência. O Amor em demência na plenitude dos dedos apertados. Muito apertados. Estão vermelhos. Entrelaçados.

Vamos uivar, gravitando? Diminuiu, outra vez, a força do oxigênio. Olha de novo para meus Cílios. Estou infinitamente na Rua. Nua. Amando a Lua. As Luas. Onde estão teus olhos? Com eles, tu apertavas meus Cílios.

Vou uivar – e orar – por nós dois, por todos os teus Olhos, por todas as Luas, gravitando pelas ruas. Tu correstes. Eu fiquei. Sei. Vamos...

Postado por Gisele Centenaro 4:36 PM
Quinta-feira, Fevereiro 16, 2006

Cetinosa como tua pele

Corrente indiana, corrente africana, corrente de ar! Corrente de grana, corrente do amor, corrente de maré! No pescoço nu, uma gota de suor que procura o colo faz linha corrente com o arrepio na espinha ao acordar a cintura sob o som de bumbum da zabumbada, arrematada pelo rebolado à perna solta.

Diz-que-me-diz-que vem de lá, que vem de cá, pra lá e pra cá, descompassar na beira do mar, e voltar ao ritmo, com os pés aflitos, pra frente e pra trás, num vaivém, cheio de capricho, que desmancha o cacho de quem vai com ele gingando com ela, e é leva-e-traz, fingindo nunca mais, enquanto o canto encarna nos quadris em febre via batida da exaltação, até ricochetear na cintura, mais uma vez, agora enviesada, antes arrestada pelo angular dos cotovelos de um braço-de-ferro que se fez meigo.

Ah! Corrente de mim alinhavada na chuva sob a batucada desatinada, dando as mãos pro céu, amor ao léu, adeus ao fel... era tudo de papel? Igual ao barquinho lânguido que ficou lá longe, sem graça, envelhecido por ter sido esquecido por quem o fez porque fez, sem pensar na poça, sem sonhar com o lago, sem desejar o rio, sem mergulhar no mar.

Diz-que-me-diz-que eu não vou lá, nem fico cá, pra ontem e pra amanhã, a descompensar na beira d´alma, e voltar ao tino, com os sentimentos inquietos, pra dentro e pra fora, em perpétua hesitação pela constante obstinação que aperta os laços de quem vai com ele gingando com ela, e é flor-da-imperatriz, interpretando o excesso, enquanto o samba veste o coração em chama via batida da solidão, até ricochetear na cintura, mais uma vez, agora sem ninguém, antes contornada pelo aconchego da fantasia de um corpo-a-corpo que se fez prazer.

Fiquei pra trás, ainda reluzindo meu violeta furta-cor que acobertou o sensualismo carnal de uma mocidade dançarina, desinibida, corrente do amor, fluxo e refluxo das marés carnavalescas, acolhidas no colo suado de quem festeja o sol, festeja a lua, e beija a própria imagem no espelho sem refletir o vem vindo do que se será na gincana do existir.

Fiquei pra trás, ainda lustrosa e macia, mas sem valor algum, pois sou justa demais para cingir o molejo deste tempo, que não é mais o meu, pois sou arcaica demais para cingir a transgressão destas histórias, que não são mais as minhas, pois sou só uma pequena, uma pequenina, só uma tímida e pequenina saia com trejeitos de saiote, demais vulgar para acompanhar as linhas do teu corpo um dia tão pecador, um dia tão virtuoso, tão distante deste cetim hoje desmerecido por tuas mãos, mas ontem enternecido por te sido, contigo, o primeiro tato de quem age sem tato ao tocar a primeira camada de tremor de uma pele cetinosa.

Fecha a gaveta, e me deixa rolar entre os retrós de seda torcidos, que costuram pétalas de meigas lembranças para cobrir a tristeza pela minha faceirice esquecida.


Postado por: Gisele Centenaro 4:35 PM

Sexta-feira, Fevereiro 03, 2006

Revirando o inferno

13º.

O cheiro de enxofre abafa o perfume das rosas. O sol arde. Não há mais poças d´água. Na gruta, um pé de porco vira esqueleto na entrada. Alguns passos adiante, a escuridão. Mais um pouco, e a lama sobe até as coxas. Meia-volta. A cabeça do porco se afoga entre espinhos. O sol arde ainda mais. O elemento de número atômico 16, não metálico, cristalino, amarelo, entope a vida.

15º.

O horror conecta-se ao cérebro. A pele seca. O sol não se põe. Não há mais poças de nuvens. No buraco, um rato esganiça. Passa-se por ele, mas os gases impedem a descida. Meia-volta. O rato se mata entre os espinhos. O sol ri. Mercúrio envenena o solo. Eram 88 dias. Agora é a eternidade do macabro.

17º.

As sombras tétricas inebriam. A mente entrega-se, fixamente, às visões de cenas dolorosas. Não há mais poças de sangue. Na várzea sem cachorro, galhos apodrecem. Passa-se por eles, mas os chifres escorneiam os sentimentos. Meia-volta. O cão virou pó. Amom sorri. Fobos e Deimos insurgem-se 107 vezes. O vermelho agora é negro.

18º.

Um sujeito (in)determinado sonha que reza. Uma pomba gira. Uma maça, hoje putrefata, ontem foi pervertida. Não há mais poças de saber. Na locanda, lázaros choram. Passa-se por eles, mas a lepra lesa os nervos. Meia-volta. O imprestável propaga o vício da amoralidade. Vênus rouba a Lua. Eram 225 dias. Agora o luto principia.

19º.

Ninguém mais sonha. A Terra se abre. O mar vira sertão. Não há mais poças de esperança. No céu, os reis descansam. Passa-se por eles, mas a desonra enfeza, acanha, oprime, vexa, tolhe. Meia-volta. Um Humilde Humilhado recorda vivificado. Foi o elemento de número atômico 92, metálico, branco, denso, radioativo, fissionável, que acordou os gênios.

20º.

O Humilde Humilhado renasce na geração do Verbo ativo. Os Verbos auxiliares abafam o enxofre para semear rosas; transformam o veneno de Mercúrio em fonte de cura e seiva; apaziguam os demônios de Marte com seus rubis; derramam mel sobre a lua para cultivar a paixão de Vênus; lavam as feridas dos mortos para ressuscitar dois em Unu. O mundo se encanta. A Terra se maravilha. Um homem e uma mulher se enlaçam. O gozo se expressa.

21º.

Pecado é não dar a volta inteira para delatar, versejando, onde, como e quando o orgasmo do Cosmo principia. Quando um rei manda, príncipes e princesas obedecem propagando o amor como vício de linguagem.

Postado por: Gisele Centenaro 8:13 PM

Quinta-feira, Novembro 17, 2005

Boko Moko, Cravo e Canela

Meu velho novo velho Gabriel Garcia Marques voltou apaixonante e mais triste do que nunca, embora feliz, trazendo-me, além de suas putas em flor e defloradas, saudade do Amado Jorge que, de tão intensa, bonificou minhas narinas não com o cheiro de mofo de um quarto caiado, mas com aquela mistura fatal de cravo e canela - hummmm!!!!! Gostoso, tão gostoso que faz a gente sentir vontade de ser pele morena, muito morena, para ser confundida com o sabor do mousse de chocolate lambido entre os dedos.

Quando se é gente bem velha, não se tem muita fome, dizem. Quando se é gente ainda nova, não se quer comer pra não engordar, falam. Não se quer errar, mesmo errando, sendo gente velha ou gente nova, talvez.

E se quando leio Marques e Amado tenho fome de comer e de errar nos acertamentos, então, não sou gente velha nem nova? Sou o quê? Sei lá. Acho que sou puta inocente que desliza pelas linhas retas, sugando existências, lendas e metáforas. Sou uma rosa ora em botão, ora murcha, tola e renunciada. Sou um cravo ora viril, vermelho, vermelho, vermelho, ora broxa, despedaçado.

Mas a danada da canela - filha, mãe e avó - entra e não sai lá de dentro da gente, seja a gente como for, esteja a gente na página que estiver, do livro ou da vida, no lugar que estiver, só com a gente mesmo.

E se estou no Leblon quando sinto o aroma da saudade do cheiro do inebriante amálgama de rosa, cravo e canela, sei lá porque lá tenho ainda mais fome de comer, muito, no Garcia & Rodrigues, onde meu olfato se crê mais rápido que meus olhos em meio aquelas delícias exaladas pelo ar. Uma imensa fome de comer o mar inteiro, temperado pelo sol que vai deixar minha pele morena, muito morena, pra ter ainda mais prazer ao ler memórias tristes que me fazem alegres por saber ler outras gentes tão quentes como a gente, gostando de ser amada e admirada num cheiro de Jorge Amado, reinventado nas areias do Leblon em flor, pra que eu o deflore, como loba, sob a lua cheia, enquanto a primeira estrela a aparecer no céu condena meu medo de ser boko moko, de ser gente, velha ou nova, acovardada. E zomba, a dengosa e danada estrelinha, das minhas doenças imaginárias que Molière cura e Gabriel Garcia Marques insufla.

Postado por: Gisele Centenaro 9:31 PM


Segunda-feira, Outubro 24, 2005

Ok, deu tudo errado

A idéia não foi minha, ainda bem. Aliás, nem podia ser, mesmo, porque não sou mulher de idéias. Sou mulher de lembranças. Estas, de confusas que são, já me bastam. É que também não sou mulher de boa memória. Cada vez que tento contar uma história, vira tudo uma trapalhada só. Pensando bem, não sou mulher nem de lembranças. Sou mulher de vozearias. São tantas as vozes - ativas, passivas, analíticas, sintéticas, causativas, de advertência, de execução, de comando, de trovão... -, que seria exigir demais um perfeito grau de distinção em meio a um pequeno conto. Por sorte, tudo que conto é a meia voz.

Deu tudo errado, ok, eu sei, mas, assim como a idéia, a culpa também não foi minha, ah! isso não. Muitas vozes, muitas falas, muitas leituras, muitas interpretações. Resultado: confucionismo. Por falar em Confúcio, lembrei-me doutra. E sabedora que sou do estado confusional que ela pode provocar, deveria eu permanecer quieta, como recomendam os sacrossantos simpatizantes. Peremptório discurso mastigado, contudo repudiado, pois lá vai o pensamento livremente retornando ao passado, de onde regressa tão faceiro, embora nesta voz um pouco surda e tímida; tão farto, embora aos soluços; tão resoluto, crendo ser esta uma boa hora para se confiar aos antepassados.

Há muitos, muitos anos, muito antes de surgir a Monalisa, mas bem depois de muitas outras histórias vividas, das quais hoje não me lembro, tendo certeza de que amanhã as lembrarei, alertando a todos que desta, assim como de outras histórias, não me lembrei nem hoje, nem ontem, mas há cerca de uns cinco ou muitos anos mais, dado que me aborrece enunciar, andava eu, como antepassada de mim mesma, pelo deserto, num tempo no qual nem sonhávamos em brincar de aviãozinho. Tudo era camelo e monadas de camelô. Em questões de sede, era matar ou morrer.

Com alma de princesa vilipendiada e pés de mendiga ensanguentados, encontrei um velho no caminho, que nunca soube se era mais jovem ou mais idoso do que eu. Falava pouquíssimo aquele que chamo de Velho, cujo nome não conto, porque também não conto o nome do fascinante soberano que reinava nas soberbas tendas que um dia avistamos. Lá paramos, não por vontade própria, e sim por imposição do soberano, que nada poderia desejar dos nossos trapos, lógico, sendo que mais nada tínhamos para trocar por um gole d'água. A despeito da abundante penúria que não nos facultava o escambo, ele mandou nos dar de beber para, em seguida, exigir nossa presença miserável diante de seus olhos perspicazes.

Sem delongas, o soberano de cabelos negros e pele queimada fez perguntas que eu não soube responder. Diante da minha nulidade, foi com grande surpresa que o vi alterar a fala majestosa por uma voz de mestre, de tom amoroso, de brandura sedutora. O seu mote era revelar segredos ao discorrer sobre os Nós da humanidade. Hipnotizada, comecei a enxergar com os olhos do coração os Nós nas suas mãos, que resplendiam ao longo de cordões multicoloridos. Atados a cada oração por ele declamada, os Nós produziam sons in concert, sem melodias, por toda tenda real. Desatá-los impossível seria, dizia-me o rei, enquanto sorria, porém me mostrando que, além de interpretá-los, poderíamos cuidar das dores provocadas pelos nódulos, se buscássemos diminuir o sofrimento do ser.

Acreditei fielmente no que vi e ouvi. Estava já ajoelhada quando ele, então, me disse: "o seu lugar é aqui". Da reduzida corte que adulava o soberano, em uníssono silêncio chegavam até mim vozes que gritavam: "fuja", "saia", "o seu lugar é entre as serpentes do deserto". O Velho nada proferia. Nada profetizava. Sob as ordens do soberano, ele deveria partir imediatamente, sem despedidas, sem camelo, sem água, enquanto o manto me era estendido. Talvez por medo, talvez por dó, talvez por amor, ardentemente querendo exclamar "sim", bradei um "não posso". E o cordão brilhante converteu-se em adaga cintilante.

Em questões de sede, naqueles tempos, era matar ou morrer. A adaga cumpriu o seu destino, transmutando-se, nas areias da eternidade deslocadas pelo vento de um lado para o outro sem que um grão se perca, em um apaixonante e aflitivo Nó Górdio.

Em questões de sede, nos tempos de hoje, uma idéia, uma lembrança, uma voz, um rei, um segredo, uma ordem, um velho, um sim, um não, um erro, um amor, uma traição, um ódio, uma vingança, uma história sem valor, um nó na garganta é...?

Postado por: Gisele Centenaro 6:48 AM


Sábado, Outubro 08, 2005


Man!a de p!ngos

Andando por essas l!nhas t@o retas, temo sempre esquecer os acentos. S@o tantos. O agudo. O grave. O c!rcunflexo. O t!l. O trema. Ma!s os acentos de !ntens!dade, de r!tmo, o enfat!co, o pr!mar!o, o prov!nc!al, o secundar!o. Fora o post!ço e o patet!co. Cansam-me, certos d!as, todos eles. E me da vontade de v!rar tudo de ponta-cabeça, s!mulando um quebra-cabeça, talvez por !nveja de ser desobr!gada, desembaraçada, desregrada como o Millôr.


Cade, porem, a espontane!dade que ele tem que eu n@o tenho? T!ra e poe tudo em outro lugar, alem de fazer graça com as l!nhas em curva das car!caturas que eu tambem n@o se! traçar.



Enfast!o-me, carp!ndo, aa be!ra de um enfarto. Co!sa chata olhar pra este teclado que a m!m se mostra tolamente convenc!do de que a exat!d@o lhe pertence. Um teclad!nho m!xuruca, che!o de s!, crente que abafa soo porque faz das normas suas costas quentes, convencionalmente !mutave!s.



Com franqueza, confesso: nessas horas de rabug!ces, chego a escutar um "n@o-me-toques" e desabafo, enxotando-o com um !ns!mulado gr!to de "se toca, voce, oo regulado". Ele ee meu vil@o, o dito-cujo. Mas mesmo quem n@o ee hero!, tambem tem seu d!a de v!ngança.



D!to e fe!to. Hoje ee meu d!a de acabar com essa sua man!a de poor todos os p!ngos nos is. !nfel!zmente, como escrever aqu! sem os is sem p!ngos n@o posso, s!mplesmente te !nvert!. Reclama, que eu quero ver se voce pode ma!s que um soo dos meus dedos, sejam eles o !ndex, o h!pocrat!co ou o anular!



Que bobagem, Dinho, eu fabular este absurdo diálogo com um teclado, imaginando que na cova onde tu moras tu podes rir. Rir comigo, porque ainda vivo. Rir contigo, porque estás morto. Rirmos unidos porque sabemos que se estívesses acordado riríamos juntos, ordenando a este teclado mal-humorado que se lixasse.



Tudo eu, um lixo. Falecido amigo, sinto falta das manias psicóticas que te punham a contrariar o mundo. Duro de cabeça; com tudo tão tenro de coração. Manias divertidas, obsessivas, porém descomedidas e mórbidas na mesma medida. Tão incorreto!



Às vezes, o que eu vejo ninguém vê, mas sei que você sabe que eu vejo o mesmo que você. Não mais me pré-ocupo, tecladinho, com os pingos impingidos por ti.

Postado por: Gisele Centenaro 6:24 AM



Terça-feira, Setembro 27, 2005


Miolo mole

Um de nós tem o miolo mole. Mas nunca toleramos que nos chamassem de amalucados. Seria admitir falta de tino de um dos lados. Uma impossibilidade privada e pública, dado o fato de os dois lados absurdamente, audaciosamente e coerentemente terem surgido, vírgulas dobradas, como complementares. Um, lado do outro; o outro, lado do um; seja de um lado, seja do outro.


O contrário também poderia acontecer se, abonada a ausência de juízo, o lado desmiolado reconhecesse sua insensatez perante o lado sensato, fazendo com que este, se de tristeza não morresse, mudasse de lado para socorrer o declarado alienado, extinguindo-se, assim, as minguadas individualidades limítrofes que nos prosificam em dois lados.



Pensaria, então, o lado ajuizado, em face de qualquer tachador insensível, não passar de um miolo mole, enquanto o lado acusado de tudo faria para provar seu bom senso, loucamente afoito para salvaguardar a integridade do lado sem o qual jamais acreditaria na própria lucidez, ainda que ela nunca tivesse existido.



É, bem, é, acerto, é certo, é inegável, é verdade nossa, um de nós tem o miolo mole, confunde pão-de-ló com pudim feito de nuvens e estrelas. Olha para o brilho da lua, mas sente o sol. Fecha os olhos sob o calor do sol, mas vê a lua.



Não há suspeita. Um de nós é feito coisa sem valor, sem peso, sem crédito, sem mérito nas esquinas vadias das mentes que não nos interpretam.



Mas! Mas! Intraduzíveis, mas um de nós não vive sem o outro, sem o lado de lá que está sempre colado com o lado de cá. E enquanto o tempo segue e, ao mesmo tempo, se dissipa, vamos ficando, vamos insculpindo, lado a lado, sem qualquer certeza do lado que nos pertence.



Um de nós tem o miolo mole. Admitimos, afinal, tolos não somos, o que fazer... porém, somente cá entre nós, e submissos à imprescindibilidade dos cordões embaraçados pelos quais os dois lados atados se definem, impedindo que outro alguém saiba onde a louquice principia, onde a razão predomina, onde o nosso amor começa mas nunca termina.



Por que um de nós tem o miolo mole? Nós sorrimos e, mesmo distantes, prosseguimos porque instantes dos dois lados existem. E nossas vidas estão completas, mesmo sendo vidas incompletas. Mas nunca toleramos que nos afastassem da diminuta unidade mínima e com significado que pode, sozinha, constituir um enunciado, unindo, letra por letra, dois lados. Puríssima evidência da impossibilidade de sermos confessos amalucados.



Nossa casa não é nossa. Nem é nosso esse lugar. Mas você não vai embora. Eu não vou embora. Nem tropeçando nas pedras, paramos de gargalhar ou de esbravejar por desejarmos, insuportavelmente, continuar a delirar. Não consentimos nosso pranto. Lógico. Lágrimas não alimentam nosso episódio lírico-dramático, excêntrica e dissimuladamente convertido, por ambos os lados, em comédia de improviso. Um de nós tem o miolo mole. Importância nenhuma tem saber qual de nós, mas é sublime poder baralhar, insinuando que sou eu para ter e lhe dar o prazer de ser você.


Postado por: Gisele Centenaro 4:24 AM




Terça-feira, Agosto 23, 2005

Malícia

Para os Irmãos Grimm

Ela penetrou no hall do edifício como se já tivesse passado por ali milhares de vezes. Um motoboy sacudia uma mochila no ombro, tão suja quanto o casaco preto de napa, encoberto por uma camada fina e úmida de poeira, colhida ao vento que espalhava garoa sob o céu cinzento lá fora. Um senhor aguardava - como se nada esperasse da vida - sair algo daquela mochila que permitisse ao guri chegar ao elevador.


Mas, ela, remexendo as coxas grossas sob a saia musgo, leve demais para o dia, caminhou direto para o botão iluminado e lambuzado. Apertou. Enquanto aguardava, acenou com a cabeça para o velho sentado, que respondeu com um olhar distante do mundo.


Lucinha subiu sozinha. Queria saltar no décimo sexto, sem pressa alguma. Sacudiu as ancas de um lado para o outro, puxando a calcinha. O salto facilitou os movimentos macilentos da moça, que levou a mão direita à pequena tira de renda preta, acomodada à toa.


Uma, duas, três portas à direita. Na quarta, entrou. Batom em riste na frente do espelho, pescoço esticado e seios empertigados. De repente, o reflexo sumiu. Apalpando, desesperada, o rosto, Lucinha não se via, não refletia, embora se sentisse tão quente como todas as manhãs. Passou as mãos, freneticamente, pelo corpo todo. A calcinha nem mais incomodava, mas estava lá, sob a saia fina. A malha da blusa, colada na pele, continuava expressando a existência do peito. Que chiste lhe pregava o maldoso espelho dos infernos no qual sempre se viu sem perguntas?



Um, dois, três minutos de angústia e um estridente ruído de vidro partido corrompeu o silêncio. Aos pés de Lucinha, os estilhaços pareciam troçar, reproduzindo em pedaços o que não mais foram capazes de mostrar por inteiro. Ela, pasma e tolamente, se procurava no chão dilacerada.



Não havia o que pensar, apenas uma janela. Pisando o espelho morto, languidamente recostou-se nela. O vento ainda espalhava garoa sob o céu cinzento lá fora. Lucinha acendeu um cigarro, não pensou, despiu peça por peça, e não sentiu frio. Olhou para trás. O malicioso espelho sorria dardejando. Ela aquiesceu, entregando a alma, distante do mundo, ao mistério infernal.
Postado por: Gisele Centenaro 6:11 PM

Vulto

Para um cavaleiro do século XVI

Leve como meus pensamentos, a cortina voa. Deixa-se carregar pela brisa, de um lado para o outro, ora se contorcendo, ora se abrindo inteira. Ansiosa, às vezes se joga pela janela, tentando alcançar o infinito. Mas sempre retorna, desiludida, presa aos trilhos como eu ao meu destino.


Tão delicada, tão frágil, quando a brisa pára, a cortina não respira, cai entregue ao desânimo, crente que esconde o mundo lá fora, sem se dar conta que pelo seu corpo diáfano continuo enxergando a vida, ainda que nublada, ainda que apenas pressinta as emoções em seus contornos lendários.

Triste como meus sonhos, a cortina estendida é sombra da morte, é o amor desfalecido, é a agonia do adeus murmurado a alguém que se foi sem nunca ter estado comigo. Sou nela ninguém, sou nela o nada que desejava ser tudo sem força para existir. Distendida, a cortina é minha mortalha.

Ah! mas quando a brisa sopra e meus pensamentos flutuam e suas dobras se espalham e meu pulso acelera e suas bainhas me tocam e meus pelos arrepiam e seus fios tecidos sorriem e meu coração com ela se arremessa ao vazio buscando o vapor dos sentimentos que queríamos para nós, ah! vem o vulto, o vulto envolvido pela paixão errante que chega sem ser convidado e nos toma por devaneio.

Vulto amado que abre a cortina para o mundo distante e, no mesmo instante, traz o mundo para dentro de mim, invadindo minhas veias excitadas e entregues ao prazer do sentir dois em uma fantasia purpurizada.

Vulto com olhos sem cor, que jamais conhecerei, porque não brilham, não lacrimejam, não falam, mas me vêem por dentro oscilante, com alma ofegante de mulher que ama um homem etéreo, prestes a experimentar o gozo quimérico.

E depois do gozo fictício, que não sacia nem extingue a vontade, afasta-se o vulto carregando com ele o fogo da paixão sonhada e mais um pedaço de mim, deglutido. A brisa cessa. Choro, atada ao quarto da solidão. A cortina fecha.

Postado por: Gisele Centenaro 6:10 PM


Lisuras

Nunca houve por ali ninguém cuja face se assemelhasse à dele. Havia algo de sutilmente tenebroso em seus lábios, meio arroxeados e absolutamente secos. O nariz pontudo, mas ao mesmo tempo grosso, fazia prender a respiração dos pássaros. Muitos pássaros nos visitavam todas as manhãs, inclusive no inverno. Naquelas curvas pastosas do verde marrom de minhas terras, deixei tantos pedaços de minh'alma que não consigo mais fazê-la inteira. Tudo se foi. Tudo ficou naquelas curvas que de meu banco de madeira tão liso, tão liso, depois de tanto sol, tanta chuva, eu avistava, soluçando, e, dentre dias de tristeza ensolarada, sorria esperar um retorno impossível. Os mergulhos que meu espírito era capaz de fazer, enquanto as nuvens passavam sobre mim e meu banco, foram nos fazendo velhos, moldados à nossa própria conformidade. Ainda hoje, mais velha que outrora, sinto no dorso a madeira fria e carinhosa de meu banco de jardim, querido confidente de minhas dores secretas em coração. Falávamos dos pássaros, pouco, porém, pensávamos neles naqueles dias de encantamento, quando um nariz desconcertante vigiava nossos pensamentos. Era sempre no cair da tarde que ouvíamos seus passos lentos e constrangedores. Era quando suspirávamos para buscar alento nos pulmões antes do "boa tarde" distintivamente amargurado. Sabíamos que cada passo daquele homem nos afastava mais. Eu e meu banco sabíamos desde sempre que a despedida se aproximava toda tarde, todo passo, todo suspirar - ficava ao longe a curva pastosa mais alta, sussurrando adeus. Somente ele, meu banco de jardim, e eu escutávamos esse lamento, quando placidamente consentíamos que o tempo passasse, porque não o podíamos deter. Era um homem aterrorizante, do tipo que nunca por ali esteve. Trazia com ele a despedida de mim mesma, a distância entre mim, meu banco de jardim. - Boa tarde, saudade! Uma saudade que não tem mais fim...

Postado por: Gisele Centenaro 6:06 PM

O menininho cego

Para Isis

A praça era bem pequenina, mas era só atravessar a rua para sentir aquele cheiro gostoso de grama molhada, que todo fim de tarde entrava pelo seu nariz, depois que o Seu Pablo, zelador do prédio, decidiu zelar também pelas árvores de tronco duro que moravam debaixo do céu.

Com uma paciência infinita, o imigrante filho de espanhóis adotou a pracinha com o coração e sempre dizia: "Não escrevi um livro, não plantei essas árvores, mas tenho um balde que não me custa encher d´água pra dar de beber a quem tem sede".

Era tão bom aquele cheirinho que, assim como os passarinhos lamuriosos, Eros procurava, ao entardecer, um canto da praça pra ficar escutando a noite descer. Tateando com seu bastão de apoio o caminho, o menininho cego confiava nos sentidos que a vida lhe permitira ter para fazer o breve passeio sozinho, pois ali, em meio à magia da natureza, ainda que acanhada, até seus olhos mortos se sentiam acesos.

Mas foi num dia de menos luz do que espera quem inala a primavera que uma voz miudinha e atrevida pousou perto do ombro esquerdo de Eros, perguntando: "Quer ver o que tenho escondido entre as mãos?" Um tanto assustado e até aborrecido pelo atrevimento daquela feminina fala desconcertante, Eros respondeu: "Mesmo que eu pudesse, não ia querer, não".

Nem os passos de alguém indo embora o menininho cego ouviu depois de seu ríspido "não". Silêncio. Puro silêncio, como se nenhum som tivesse cortado o ar, instantes atrás, além do farfalhar das folhas ao vento e dos agudos das delicadas aves, de sempre suas companheiras.

Pensando ser a imaginação que lhe pregara uma peça, no dia seguinte Eros já nem lembrava mais daquela voz fininha, quando, de repente, ela se fez outra vez: "Quer ver o que tenho escondido entre as mãos?"

Durante um mês inteiro, menininho deu a mesma resposta, retrucada por aquele silêncio incendiário que foi invadindo seu ser até não mais ser suportado. Enfim, o mistério se fez dor e, então, Eros gritou, repetidamente: "Quero, quero, quero, quero, quero, quero, quero!"

Na mesma hora, ele sentiu um quentinho no peito ensurdecedor, enquanto a voz de serpente encantadora, parecendo muito, muito, distante, murmurava palavras que ele hoje, homem feito, ainda mais cego e eternamente torturado de saudades de sua pequena praça, chora nunca ter compreendido.

Pstado por: Gisele Centenaro 5:49 PM



Quinta-feira, Agosto 18, 2005

Amargura

Para Victor Hugo
Tarde de sol, mais uma tarde de sol, de vento dourado, de gosto salgado. Amargos, porém, os pensamentos longe de ti. Curvas vigiadas de uma consciência que não se tem e voa, voa, repousa na árvore mais próxima, espiando o céu, arrancando o véu, com dor de espinho, e mais um vôo, mais um pouso, mais um gozo mentiroso, e o amarelo do dia ganha o laranja, que ganha o vermelho antes do anoitecer.

Te ver neste entardecer, te ter nesta insensatez, porque a tarde é de sol, mais uma tarde de sol, de vento dourado, de gosto salgado. Respingos d´água dão brilho à grama do jardim de Paris, tão feliz, cores soltas nas flores, nas vestes, e alguém canta, enquanto tua lembrança me encanta esculpindo flocos de ar. Na folha, na grama, n´água, no céu, no amarelo, no laranja, no vermelho, antes do anoitecer, em meio ao entardecer, você.

Nunca quis te fazer verso, se não posso engoli-lo... é ceder à sua não existência nesta praça, neste estado de graça, sem benção. Alguém canta. Si bemol em tarde de sol, mais uma tarde de sol, de vento dourado, de gosto salgado. Paris tão alegre, na grama, no céu, no véu que forra meu coração, dourado, com respingos d´água, de lágrimas, soltas nas flores, nas vestes que dôo ao meu ser, que não se tem e voa, voa, repousa na lembrança mais próxima, com dor de espinho, antes do anoitecer, em meio ao entardecer, você.

Houve um sonho, ouve, de dó a dó, melodia completa, com muitos violinos, nesta praça, neste estado de graça, abençoado pela tua presença de gosto doce, nas curvas da flauta, vigiando as vozes sem corpos no êxtase de Paris. Que feliz tarde de sol amarela e dourada, ao som da flauta encantada do teu desejo em mim, de me querer e ter feito criança sem véu com sabor de mel. Uma porta aberta no céu laranja, vermelho, antes do anoitecer, em meio ao entardecer, você.

Repousou o sonho no pecado do não. Foi-se embora a beleza de Paris dourada, do desejo alcançado, do querer, querido, ser as curvas do teu corpo inconsciente, em dó, em mi, em sol, em lá de violino esculpido na grama, n´água, na saliva da tua amada. Gosto amargo em tarde sol, mais uma tarde de sol, antes do anoitecer, em meio ao entardecer, sem você.

Postado por: Gisele Centenaro 3:27 AM


Quarta-feira, Agosto 17, 2005

Aroma de chocolate

Para Pessoa


Dia destes olhei para trás e vi que um homem me seguia. Pela calçada apressada, sol já posto, tentei andar mais rápido. Mas, assustada, tropecei. Como uma boba, cai no chão, sentindo uma dor insuportável, o joelho arranhado e o tornozelo já inchando. E enquanto lágrimas de vergonha começavam a socorrer minha face vermelha, aquele homem esquisito, usando um antigo chapéu, ternamente apertava seus dedos nos meus braços, não como quem quisesse me ajudar a levantar, pois suas mãos, em verdade, me amparavam sem pedirem que eu me movesse.

Levantei o queixo e dei com os olhos dele invadindo os meus. Lá no fundo, bem ao centro, meio apagada, vi uma mansarda. Foi então que me sobreveio uma vontade irresistível de comer chocolate. Na minúscula janela da mansarda, um homem triste fumava. E eu ali, caída na rua, desejava, sôfrega, desembrulhar chocolates de papéis de prata.

O torpor foi me fazendo levitar, como se todo açúcar do mundo se infiltrasse no meu sangue. Do alto do meu delírio percebi que o homem esquisito de chapéu antigo sorria, pouco, mas sorria. Sem saber ao certo o que e por quê o fazia, grudei minha boca na dele, sugando lábios e buscando sua língua.

- Ai, que gosto doce de chocolate derretido, cremoso, espirituoso.

Foi ali, naquela hora, que nasci.

E quando conto essa história em forma de conto que a poesia rouba, as pessoas insistem em falar de metafísica. Calo-me e ouço, embora meu coração voe sempre, sempre, para a mansarda, onde aspira a fumaça daquele fumo picado e se lambuza inteiro de chocolate pastoso, aromatizado pela saudade.

- Ai, que gosto doce de amor derretido, cremoso, espirituoso.

Foi ali, naquela hora, que morri.

Postado por: Gisele Centenaro 10:41 PM

Libertango

Para Piazzolla


Jorrou um dia, pela boca, o sangue. Eu latejava por dentro e o sangue jorrava. Mil navalhas cortavam meu estômago. Doía, doía, doía. E o sangue não cessava. A cabeça pendia inerte, mas eu ainda via. Um desfile de fantasmas pegajosos, movendo lábios sem som, arregalando os olhos sem cor. Bailavam os fantasmas na minha frente, por trás, e corrompiam, além da mente, o ar descrente que teimava em não entrar pelo meu nariz.

E aquele sangue fino, sujo, inimigo, cuspia minha história fétida para que os fantasmas dela fizessem troça. Quis matá-los, todos, mas o sangue se esvaía e me diluía em vômito. Restou-me o tango. Dançar o tango em exaustão, mais uma vez, uma última vez, meu tango, minha paixão.

No compasso da melodia, o tango me percorria, pedaço a pedaço, apunhalando agora meu coração.

– Saiam, saiam, todos. Afastem-se de mim. Este tango é só meu. Só eu. Sou eu quem escolhe a direção. Saiam, saiam, todos. Afastem-se de mim. Este sangue é só meu. Só eu. Sou eu. Desistam de me sugar. Escutem, escutem o acorde, agora, mais alto, mais forte. É todo meu. Olhem para os meus pés descalços, colados ao chão. Não, não sou eu quem teme a escuridão. Tiro a meia. A perna desnuda roça o teu pensamento. Gruda no teu desejo. Abraça teu pescoço e te arremessa ao abismo, onde relaxa, se solta, me procura e me agarra. Sou eu o tango. Sou eu o sangue. Sou eu que te faz queimar sem alcançar. Não chora, não pede pela valsa. EU SOU TANGO. Sou vermelha. Sou palmeira. Sou a força que te esgota. Sou a morte na vida sem ritmo. Sou a agonia, a agonia, a agonia. Sou lixo. Sou o rito inacabado dos passos desencontrados. Where did you come from? Where? Where? Quando danço, eu sou. Eu sei. Toda noite, todo meu coração, todos os meus dias, minha alma is out. What do you need? Venha a mim, morrer em mim. Somos um, quando você está em mim e eu in you. É o tango acabando, você nunca me amando. Você no abismo. Você no sangue. Você nos fantasmas. Você nos lábios mortos. Você nos olhos secos. Você na galáxia da infâmia. Você nos passos secretos que dou, atados ao destino do assoalho vadio. Você no vento assassino, que a brisa deixou. E agora? É a hora...

Caem, todos, mudos, tétricos, etéreos. Uivam os lobos, loucos lobos, que desafiam meus acordes de tristeza. Lobos absortos, que cheiram o sangue dos pobres mortais à beira da vida. Petrificados, os fantasmas se debruçam sobre si mesmos. Meu tango está acabando. Meu sangue é mais nada.

– E você, o que é? Quem é? É ninguém, é o maior ninguém do mundo. É um nada que foi tudo nas minhas tripas, na corrente que me ligou à vida. É um nada que tomou conta de tudo que em mim foi água, e hoje é sangue, é sangue vermelho, vertido fora. Estou seca, apodrecida e não sou mais tango. Sou enterro sem terra. Sou esterco de amantes. Sou pecado sem guerra. Sou ira sem tremor. Sou apenas o que passou. Sou morte, agora, ora.

postado por: Gisele Centenaro 10:05 PM