quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A era da irrelevância brasileira



Recebo minutos atrás um comunicado da Assessoria de Comunicação Social do Ministério do Trabalho e Previdência Social com dados sobre o combate ao trabalho escravo no Brasil, ressaltando em título que “mais de 60” pessoas foram resgatadas dessa condição vexatória no estado de São Paulo em 2015, e esclarecendo no corpo do texto que o número exato a ser informado é 66. Pois é. Não chore ainda, não, seja por uma ou por outra razão qualquer. Diz – digamos diz mesmo porque pulei de fase entre uma estupidez e outra presenciada ao vivo ou virtualmente – o informe: “o quantitativo representa 9% do total de notificações em todo o país: 1.010 trabalhadores em 90 dos 257 estabelecimentos fiscalizados".

E daí? Se o leitor não percebeu ainda, Marina Silva está errada ao recitar os trechos decorados dos mais recentes sociólogos escolhidos a dedo para redigir sínteses sobre a sociedade brasileira e a economia global para as apostilas de primeiro e segundo ano dos cursos universitários pagos de diversas áreas e modalidades – baratinhos, mas pagos – pelo Brasil afora. Ela fala na propalada “crise da civilização”. Oi? O que é mesmo civilização, Marina, sob o ponto de vista de um cidadão brasileiro, seja ele analfabeto ou um doutor diplomado no nosso país?

De vez em quando, aparece gente querendo me ajudar, veja só. Não a dar respostas. Querem me ajudar a fazer perguntas. Não, não ria, depois de ter chorado, por uma ou outra razão qualquer. Aqueles macaquinhos que não escutam, não veem e não falam somos nós, brasileiros, desde sempre. Como se poderia esperar, portanto, percepção aguçada para aquilo que não está sendo nem dito, nem mostrado pelo denotativo, ainda que o assunto seja o “massacre” da nossa nação pelas civilizações mais antigas e desenvolvidas ao passo de estratégias de guerras contemporâneas que dispensam a bomba atômica para fazer com que um país desapareça?

Vejo nitidamente a irrelevância da sociedade brasileira perante o mundo – tomando como trilha o mercado global – sob diversos aspectos. A cada dia valemos menos. Este valer menos pelo que se é e se faz é hoje a medida do lastro do valor das moedas no capitalismo ecossistêmico. Consequentemente, estou afirmando que a cada dia o real vale menos porque os brasileiros, em sociedade, vêm mostrando diariamente o seu não valor uns aos outros. Somos, portanto, uma sociedade de estúpidos? Alguém quer me ajudar a responder ou perguntar a respeito?

Há três décadas sinais têm sido enviados à nação brasileira com o intuito de gerar uma reação contra esse estado degradante e crescente de irrelevância em todas as áreas produtivas, com alguns focos de exceções óbvias. Mas... somos os macaquinhos. Macaquinhos que fazem o irrelevante para irrelevantes desinteressados porque nos habituamos com a irrelevância até mesmo entre os profissionais de universos criativos. Ao que me parece, quanto mais irrelevantes, quanto mais sem valor somos, nos vemos e nos mostramos, mais estúpidos nos tornamos. Uma epidemia sem igual. Na história das civilizações, creio que somente em Pompéia – para não recorrer à Bíblia – teremos exemplo de tamanha evolução da estupidez casada com a arrogância a ponto de fazer com que, ao apontar para os olhos, para as bundas uns dos outros, os cidadãos vão tendo seus corpos e mentes transformados em pedras e estas em pó. Porque do pó...

Para que falar em pó? É tão irrelevante como falar de corrupção e falta de caráter no Brasil de ontem, de hoje e de amanhã.

De qualquer modo, mesmo sabendo ser este dado irrelevante, insisto em afirmar que os números do trabalho escravo no Brasil são, atualmente, uma aberração – o Ministério do Trabalho e Previdência Social deveria ter vergonha de expedir o comunicado citado, pois, obviamente, sabe disso bem melhor que eu. Todavia, além das nossas fronteiras, não existem somente países dos quais se originam grande parte dos "escravos brasileiros" desta época que lutam para sobreviver em nossos guetos e cortiços. Existem civilizações que, embora avaliadas como em crise por Marina Silva, na verdade estão se remodelando, reformatando, repensando em face das novas relevâncias que se colocam ao homem contemporâneo, tendo consciência que esse trabalho social interno precisa levar em conta as irrelevâncias de países como o Brasil, assim como suas necessidades básicas, não somente por atitude de quem se pretende honrado, mas também porque o não atender dessas necessidades prejudica as demais nações do Planeta como um todo.


E daí? Nada. Tudo isso somente pra dizer que essa guerra, a qual enfrentamos neste momento, já está perdida porque, cegos, surdos e mudos, nós, brasileiros, continuamos em tremenda dificuldade para distinguir relevâncias de irrelevâncias, relevantes de irrelevantes, ficando a coisa toda ainda pior mesmo quando os principais ingredientes desse bolo de capim são uma mistura de estupidez com arrogância generalizada, apresentada ao mundo, minuto a minuto, com ainda mais intensidade por meio de redes sociais.

Parabéns, Mark Zuckerberg. Você venceu. Minha espada em terra. Deuses sabem o que fazem.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Mispera



Tem coisas boas de dizer só de lábios úmidos. Palavras que começam com m são mais assim. Você diz "mas..." já com os lábios molhados. Não molhados pelo m. Já molhados. Fica mais gostoso.

Quando tem de dizer o que não se quer dizer não é muito assim. Em vez de lábios molhados... eles podem secar de repente. Ah isso dá um desânimo não só praquela hora. Vai afora, pro dia seguinte, a moleza pela chatice.

Passa. Tem de passar, é? C'est vrai. Esse a com som de é tem sabor diferente. Não tem umidade. Tem outros gostos. Cumplicidade é um deles. Mas como o m não é. Não é mesmo. Nem como o l.

Leis é pro molhadinho, assim, assim. Como mês. Vai que morango, mesmo azedo, tem esse molhar de lábios carregado pelo m. Mistérios das letras na boca de gente inocente. Sem inocência, se puxa no r. Pode ver. Pode ser. Não gosto. Muito. Só pelo muito.

Gosto dos es com is. Fez ou fiz. Dez não, não... não diz. Ispera aí, eu sei, eu sei. Si tu não quiseres miispor... Essa aguinha vai deixando tudo errado. Não infeliz. Errado de raiz, de feliz.


Mispera. Mispera. Enquanto não chego aí, vai perto daquele laço que alguém pra mim te fiz. Olha. Mispera. Olha. Fica mais gostoso com os lábios molhados. De m ou de is.

Um corpo que falta


Não tenho um corpo. Lamento há anos não sentir mais o toque da pele com os ossos humanos. Acontece. Não tenho um corpo. Desencarnados, como bem explicitado no sentido denotativo do termo, aprendem rápido a lidar com a ousadia de viver sem sentir. Não há percepção total dessa realidade quando desencarnados entram e saem dos ambientes em que os outros não enxergam bem a vida. Acontece também. Há muitos nichos de cegueira. Na contramão, há videntes e visionários para todos os efeitos se as coordenadas os permitirem.

Agora pouco, olhamos juntos para um pedaço do céu no interior de Minas Gerais. Fica no Brasil. Sonhos, nuvens, ventos, até estrelas. Vejo-os, porém, não os sinto. Na pele, quero dizer. Dilacerar é uma forma de não sentir saudade. Da pele. Dos ossos. Isto passa logo, como todas as primeiras impressões. Não há mais pele, não há mais ossos, não há saudade.

Por que ando de um lado para outro? Não ando. Eu me levo. Vou me levando. Não sinto saudade e, que ironia!, sinto paixão. É estranhíssima a explicação desses contornos de um desejo encravado no que resta ao não se ter mais nem pele, nem ossos. Quase um não ser a ser considerado intrometido. Faria bem, porém, faria muito bem aos eleitos e ao joio parar em mim por algum tempo. Parar. E refletir sobre o corpo que não voltará jamais.

Naquele instante, sim, eu tive. Conquistei cada palmo daquele calvário para sentir o toque dela na minha pele. Consegui mais. Senti o toque dela nos meus ossos. Sabíamos que o sangue a escorrer faria somente a paixão ainda mais latente. Meu Deus! Quanto tempo percorri desejando aqueles toques. Acabaria eu mesmo arrancando meus pulmões para ser dono daquele encontro de peles. O entendimento sobre relações mais complexas entre homens e mulheres requer mesmo um bom tempo de amadurecimento. No nosso caso, alguns séculos. Depois de séculos de espera, não... sangue de feridas, de ferimentos, não repele, não afasta, ao contrário, consagra a união das dores pela imaculação.

Nesta hora, a hora dos ciclos entrecruzados, eu a chamo, ela me chama. Eu não tenho corpo. Ela ainda tem um. Por causa dele, do corpo dela, ainda temos uma história para terminar de contar.