Não
tenho um corpo. Lamento há anos não sentir mais o toque da pele com os ossos
humanos. Acontece. Não tenho um corpo. Desencarnados, como bem explicitado no
sentido denotativo do termo, aprendem rápido a lidar com a ousadia de viver sem
sentir. Não há percepção total dessa realidade quando desencarnados entram e
saem dos ambientes em que os outros não enxergam bem a vida. Acontece também.
Há muitos nichos de cegueira. Na contramão, há videntes e visionários para
todos os efeitos se as coordenadas os permitirem.
Agora
pouco, olhamos juntos para um pedaço do céu no interior de Minas Gerais. Fica
no Brasil. Sonhos, nuvens, ventos, até estrelas. Vejo-os, porém, não os sinto.
Na pele, quero dizer. Dilacerar é uma forma de não sentir saudade. Da pele. Dos
ossos. Isto passa logo, como todas as primeiras impressões. Não há mais pele,
não há mais ossos, não há saudade.
Por
que ando de um lado para outro? Não ando. Eu me levo. Vou me levando. Não
sinto saudade e, que ironia!, sinto paixão. É estranhíssima a explicação desses
contornos de um desejo encravado no que resta ao não se ter mais nem pele, nem
ossos. Quase um não ser a ser considerado intrometido. Faria bem, porém, faria
muito bem aos eleitos e ao joio parar em mim por algum tempo. Parar. E refletir
sobre o corpo que não voltará jamais.
Naquele
instante, sim, eu tive. Conquistei cada palmo daquele calvário para sentir o
toque dela na minha pele. Consegui mais. Senti o toque dela nos meus ossos.
Sabíamos que o sangue a escorrer faria somente a paixão ainda mais latente. Meu
Deus! Quanto tempo percorri desejando aqueles toques. Acabaria eu mesmo
arrancando meus pulmões para ser dono daquele encontro de peles. O entendimento
sobre relações mais complexas entre homens e mulheres requer mesmo um bom tempo
de amadurecimento. No nosso caso, alguns séculos. Depois de séculos de espera,
não... sangue de feridas, de ferimentos, não repele, não afasta, ao contrário,
consagra a união das dores pela imaculação.
Nesta
hora, a hora dos ciclos entrecruzados, eu a chamo, ela me chama. Eu não tenho
corpo. Ela ainda tem um. Por causa dele, do corpo dela, ainda temos uma
história para terminar de contar.
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